sábado, 3 de outubro de 2009

Comentário nº 2 de Rogério Duprat no Disco "Série música Brasileira Vol.1 - Codó" (1983)


Codó

Repórter dia-a-dia do povo, compositor de fôlego e, acima de tudo, um romântico. Assim é Clodoaldo de Brito – Codó - , baiano de arraial de Cairu de Salinas das Margaridas, onde nasceu em 18 de Setembro de 1913, o mesmo ano em que nasceram dois monstros sagrados da cultura popular brasileira, Ciro Monteiro e Vinicius de Morais.

Antes de ser músico foi pescador e o seu primeiro instrumento foi uma viola que ele mesmo fez aos nove anos com tábuas de caixote de querosene e cordas de piaçava.

Aos 10 anos aprendeu cavaquinho e com 17 animava as festinhas de sua cidade.

Músico já conhecido na Bahia, nos anos 30, começou a trabalhar em rádio, em Salvador: rádio comercial, rádio clube, onde conheceu Caymi, e rádio sociedade, onde era ouvido por Caetano, Gil, Antônio Carlos e Jocafi, influenciando, de alguma forma, a música dos baianos.
Em 1951, lançou “Zum, Zum” (zum, zum, zum, capoeira mata um...), gravado por Vanja Orico no Brasil e, logo em seguida na Alemanha.

Ainda em 1951, compôs “Iaiá de Bahia” feita especialmente para o filme argentino Maria Madalena e posteriormente gravada por Aracy Costa.

Suas músicas de maior sucesso, além de “Zum, zum” são “Taiti”, gravada por Rosinha de Valença na Alemanha, e “Tim dom dom”, que Jorge Bem tornou famosa e que faz parte do LP Brasil 66 de Sérgio Mendes e, hoje, com mais de 40 gravações em todo o mundo. Aliás, essa música, feita em parceria com João Mello, chegou ao terceiro lugar no “Hit-Parade” americano na época de seu lançamento.

Ao todo Codó possui mais de 90 músicas gravadas no Brasil por Jorge Bem, Nara Leão, Sérgio Mendes e Elizeth Cardoso, entre outros e gravou, ele próprio oito LPs e compactos, sempre ao lado de músicos renomados e cantores de primeira linha.

Este LP não poderia fugir a regra a seu lado estão o ótimo violão de Carlinhos Codó, músico, professor de violão, arranjador, e a bela voz de Nalvinha, dois de seus filhos, sem contar o verdadeiro esquadrão de músicos que os acompanham.

Este é Codó, compositor, músico, arranjador, cantor, cantador e encantador. Um artista completo, dono de uma sensibilidade forte e marcante.

É com essa sensibilidade que mostra através de sua arte, toda a grandeza de sua alma.

Codó da Bahia...

Pinta logo a imagem folclórica do cantador das praias ou sertões baianos, cheirando a peixe e suor, com suas canções primitivas e outras idiossincrasias.

Nada disso. Codó é o homem da cancha, da tarimba. Músico experiente, calejado pelo trabalho profissional do rádio e nas rodas musicais da Bahia e do Rio. Embora portador de uma deliciosa voz de cantador, ainda agora aos 70 anos (como a gente pode sentir no “Canoeiro”), o que Codó é mesmo é um tremendo de um instrumentista. Bate um violão solo, que as vezes parece até cavaquinho ou bandolim, com tranqüilidade e agilidade incríveis, de deixar qualquer garotão de boca aberta.

Como criador, esquadrinha quase todas as formas populares que viveu. O que é mais apreciável no Codó é essa capacidade de diversificação, fruto de sua rica experiência de músico profissional. Este disco é, de fato, uma amostra desse seu jeito fácil de inventar em cima de todas as modalidades de música do seu país. Não se trata de um músico regional e repetitivo, amarrando aos cacoetes e limitações de um único jeito de fazer música. Codó entende e aplica o rebolado de todas as músicas, com dignidade e talento espantosos. Valsas, Choros, canções, sambas, cantos praieiros. Enfrenta tudo. E todo com a mesmo correção, sacando os caminhos peculiares a cada forma, estilo, quebrada, jogo de cintura. Fato raro, mesmo em músicos da qualidade dele: Exibe sua aprimorada execução de virtuose sem exibicionismo. Vale dizer: Mostra uma técnica sofisticada, em passagens de grande dificuldade, sem que a gente perceba, como se estivesse tomando um copo d’água. Ou desfiando seu tranqüilo papo, em que conta pra gente suas experiências de vida e de músico.

Trabalho com Codó não é trabalho, é divertimento.

Rogério Duprat, 1983.

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