MESTRE
CODÓ e seu violão mágico
(Matéria extraída da Revista Fatos e Fotos, 1974)
Depois da longa ausência, ele volta aos palcos
acompanhando Ismael Silva e Carmem Costa, no show "Se Você Jurar"
"Ele estava completando 12 anos
quando compôs Sereia, sua primeira música, munido de um violão fabricado por
suas próprias mãos. O corpo do instrumento fora feito de um caixote e as cordas
eram de piaçava. Seu nome: Clodoaldo Brito, o Mestre Codó da Bahia".
Clodoaldo Brito, o mestre Codó da Bahia,
é considerado o maior solista brasileiro, tendo influenciado toda geração de
músicos, como Baden Powell, João Gilberto e Rosinha de Valença.
Baiano, nasceu no Arraial de Cairu
de Salinas das Margaridas, mas sua formação musical vem de Salvador, onde viveu
35 anos. Em 1964, mudou-se para o Rio com a família, e nesse mesmo ano gravou
seu primeiro LP, Alma do mar no Violão de
Codó.
Filho de pescador, aprendeu com o
pai a "arte da pescaria" para ajudar nas despesas. Mas ele era
vidrado mesmo em música. Todas as noites ia "bater" violão nas rodas
de bambas da Ladeira do Pelourinho, em Salvador, e já era respeitado pelos
capoeiristas, que viam nele um menino prodígio do samba e da malandragem.
Aos 12 anos fez seu primeiro violão
improvisado. Dinheiro para comprar um era coisa que não tinha e a solução foi
pegar um caixote de querosene, dar-lhe formato e acrescentar cordas de piaçava.
Com este instrumento rudimentar, sem jamais ter tido um professor, Mestre Codó
compôs várias de suas músicas.
- Entrava com meu violão de
querosene mar a dentro e ficava tocando enquanto esperava o peixe.
Uma vez tive uma visão: apareceu uma
mulher linda na esteira que o luar formava no mar. Ela parecia viva e sua
expressão era de agrado. Foi assim que fiz Sereia,
minha primeira música. Saiu alí mesmo, na hora, dentro do barco.
JOÃO GILBERTO, O FÃ ARDOROSO
Mais tarde, começou a trabalhar nas
rádios de salvador. Como ele mesmo diz, "troquei as cordas da rede de
pescar pelas cordas do violão". Organizou uma orquestra, fundou a Rádio
Clube de salvador e a Rádio Sociedade da Bahia.
Nessa época, Codó já tinha um fã
ardoroso; João Gilberto, que não perdia uma de suas apresentações na Rádio
Sociedade da Bahia. No final saíam os dois à procura de um bar onde pudessem
tomar umas cervejinhas e conversar sobre música.
Em agosto de 1951, ele já era um
nome conhecido internacionalmente; Vanja Orice gravou Zum Zum Zum na França e mais tarde, Doum, Donato
e Sérgio Mendes gravaram suas músicas nos Estados unidos e no Japão. No Brasil,
Jorge Ben gravou Tim Dom Dom e Nara Leão, Zum Zum Zum.
CARMEM COSTA E ISMAEL SILVA CONSIDERAM-NO O MAIOR
SOLISTA DO BRASIL
![]() |
Codó e Carmem Costa, 1974. |
Atualmente, Mestre Codó está no
teatro Senac, no Rio, acompanhando ao violão Ismael Silva e Carmem Costa, no show "Se Você Jurar", escrito,
dirigido e narrado por Ricardo Cravo Abin. Antes da estréia no Rio, o espetáculo
foi apresentado em Curitiba, e em São Paulo, com sucesso absoluto e criticas
favoráveis da imprensa paulista, o que muito emocionou o mestre.
- Só vendo, menina, o público era
jovem, todo mundo entendendo e gostando da gente. solei Lamento e carinhoso, de
Pixinguinha, e Feitiço da Vila, de Noel Rosa. As pessoas aplaudiram tanto que
eu tive que me segurar pra não sair da linha. No final ele pediram Abismo de Rosas e Asa Branca. O primeiro foi tranqüilo, já gravei antes, mas o segundo,
não. Eu nem tinha tocado Asa Branca
em público. Aí eu expliquei que a coisa teria que ser na base do improviso. E
foi. Saiu tudo muito certo, muito bom, Impressionante, nunca vi nada igual.
![]() |
Codó e Ismael Silva, 1974. |
E no Rio, o show repete o sucesso. O espetáculo conta a vida de Ismael Silva e
Carmem Costa, em seus quase 50 anos dedicados ao samba. No final, o público
pede bis e todos saem sorrindo satisfeitos do teatro. Codó sola as mesmas músicas
e é aplaudido de maneira emocionante. Codozinho, seu filho, o acompanha no show.
Codó hoje, aos 60 anos, transa o dia
inteiro com seu Di Giorgio debaixo do
braço: "Não troco este violão por fortuna nenhuma. Afinal, é ele que vem
sustentando minha família já a muitos anos."
E a família é bem numerosa: casado
com Dona Antonina, há 32 anos - que acorda todos os dias ouvindo o LP Codó Brincando Com as Cordas - ele é pai
de nove filhos, todos baianos. E todos tocam e compõem: "Até Esteves, meu caçula
de 11 anos, já sola Abismo de Rosas."
![]() |
Codó e seus muitos violões em seu apartamento no Estácio RJ, 1974. |
Em seu apartamento no Estácio, o
assunto é sempre música. Um mostra seu trabalho a outro ou pede uma sugestão
sobre este ou aquele acorde. Na sala, há mais de seis violões espalhados pelos
cantos, gavetas abarrotadas de partituras e, em cima da televisão, os troféus
que Codó ganhou nos festivais de Jurujuba, em Niterói.
Carlinhos, de 23 anos, mostra um
frevo que compôs e que gostaria que Gal Costa gravasse; Esteves faz seus
exercícios escolares nas costas do violão.
ELE VAI ABRIR O CANTINHO DO CODÓ
Com seis LPs gravados e mais de 500
músicas inéditas, o mestre afirma que ainda não teve oportunidade para mostrar todo
o seu trabalho, "porque as gravadoras preferem músicas conhecidas como
garantia de sucesso". Mas se tudo der certo, como estou planejando, vou
abrir o "Cantinho do Codó, um recinto de diversão, bem retirado da cidade.
Talvez na Barra, para receber os amigos, tomar umas cervejinhas e tocar meu
violão. Por enquanto, isso é só um sonho, porque não ganho dinheiro suficiente
e a loteria vive fugindo de mim".
Fonte: Revista Fatos e Fotos, 21 de maio de 1974.